FAMÍLIA
E DIVERSIDADE: OS NOVOS DESAFIOS PARA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
Para
começar a falar um pouco sobre o tema acima, faço em primeiro lugar uma
analogia a tudo que foi estudado sobre o assunto, abordando uma grande queixa
escutada nos consultórios de psicologia: “Eu queria tanto ter uma família normal”.
Filhos de pais separados sentem da ausência do pai (ou da mãe), mulheres
sozinhas queixam-se que não conseguiram constituir famílias, e mulheres
separadas acusam-se de não terem sido capazes de conservar as suas. São várias
as queixas ouvidas, e todas partem da grande questão que a família não é mais a
mesma. Visto que, a própria sofreu várias modificações ao longo do percurso
existencial e, portanto, não é a mesma comparando o modelo de família
idealizado, modelo que corresponde ás necessidades da sociedade burguesa
emergente em meados do século XIX.
Na
segunda metade do século XX a família hierárquica, que era organizada em torno
do poder patriarcal, começou a ceder lugar a um modelo de família, onde o poder
era distribuído de forma mais igualitária entre homem e mulher, e também entre
pais e filhos. O pátrio poder foi abalado, visto que, a mulher passou a ter
ingresso no mercado de trabalho, e não era mais tão dependente do chefe da
família quanto às crianças geradas pelo casal. Com tudo isso, o número de
separações e divórcios veio aumentando, assim como a idade em que as mulheres
vêm decidindo se casar. O número de relações não legalizadas entre jovens também
vêm crescendo, em função da sua independência financeira e também em condições
de arriscar um pouco mais nas escolhas amorosas, quanto em função da liberdade
sexual conquistada há quase meio século pelas mulheres. Isso nos ajuda a
entender o tabu da virgindade, único freio capaz de fazer com que jovens
adultas adiassem por tanto tempo o início de sua vida sexual á espera do
casamento legal e definitivo. Posteriormente, veio à descoberta e
democratização das técnicas anticoncepcionais, o tabu que sustentava o
casamento monogâmico deixou de fazer sentido. Em decorrência, hoje, o número de
mães solteiras e a gravidez não programada entre as adolescentes vêm aumentando
cada vez mais.
Um exemplo das
transformações que a família sofreu parte da Europa, nos séculos XVI, XVII e
XIX, onde primeiramente a criança não era vista como sendo ser humano e seus
cuidados eram destinados aos empregados, sendo os bebês amamentados pelas amas
de leite (no caso das famílias que faziam parte da aristocracia), enquanto que
nas famílias dos camponeses as crianças não eram dignas de atenção e seus
cuidados geralmente eram divididos com os avôs ou com as moças solteiras. As
relações familiares dessa época eram distantes, mas com o tempo as relações da
família vão se tornando mais íntimas, privadas e com maior intensidade
emocional, como afirma Vainer (1999).
Nas
configurações familiares novas formas de convívio vêm sendo improvisados em
volta da necessidade que não se alterou de criar os filhos, frutos de uniões
amorosas temporárias que nenhuma lei de Deus ou dos homens consegue mais
obrigar a que se eternizem. A sociedade contemporânea conduzida por leis de
mercado que lançam imperativos de bem-estar, prazer e satisfação de todos os
desejos, só reconhece o amor e a realização sexual como fundamentos legítimos
das uniões conjugais. Essa mudança moral proporciona a possibilidade de se
tentar corrigir o próprio destino, que cobram seu preço em desamparo e
mal-estar. O desamparo se faz sentir porque a família deixou de ser uma sólida
instituição para se transformar num agrupamento circunstancial e precário,
regida pela lei menos confiável entre os humanos: a lei dos afetos e dos impulsos
sexuais. O mal-estar vem da divida que cobramos ao comparar a família que
conseguimos improvisar com a que nos ofereceram nossos pais. Na verdade estamos
em divida com o modelo de família burguesa, que as condições da sociedade
contemporânea não permitem mais que se sustente a não ser á custa de grandes
renúncias, e grande infelicidade para todos os seus membros. Esquecemo-nos que,
família era aquela, e a que custo psíquico, sexual e emocional ela se manteve,
durante um curto período de menos de dois séculos, como célula- mãe da
sociedade.
Entendo
por tudo isso que família é sistema de relações que se traduz em conceitos e
preconceitos, ideias e ideais sonhos e realizações. É uma instituição que mexe
com nossos mais caros sentimentos e que muda com a evolução da cultura, de
geração para geração.
A
partir de todas essas transformações nas famílias, os laços conjugais já não
escondem a base erótica. Os filhos deixaram de ser a finalidade, ou a
consequência inevitável dos encontros eróticos. As separações e as novas uniões
foram formando aos poucos um novo tipo de família que vamos chamar de família
tentacular, diferente da família extensa pré-moderna e da família nuclear que
vai aos poucos perdendo a superioridade. Após a segunda metade do século XX a família
desprivatizou-se, porque o núcleo central da família contemporânea foi
implodido, atravessado pelo contato íntimo com adultos, crianças e adolescentes
vindas de outras famílias. Na confusa árvore genealógica da família tentacular,
irmãos não-consanguineos convivem com padrastos ou madrastas, ás vezes já de
uma segunda ou terceira união de um de seus pais, acumulando vínculos profundos
com pessoas que não fazem parte do núcleo original de suas vidas.
Elisabeth
Roudinesco escreve: “a família é a formação de organização social mais
persistente, mesmo levando em consideração diferenças históricas e culturais. A
família que está em desordem, na expressão da autora é justamente a família
nuclear contemporânea, herdeira da família vitoriana”. Sabemos que a família
mudou, mudaram os papéis familiares, os homossexuais reivindicaram o casamento
institucional, solteiros de ambos os sexos lutam pelo direito de adotar
crianças e constituir uma família normal.
Os
papéis familiares tradicionais não são mais, necessariamente, desempenhados
pelas pessoas que, na estrutura do parentesco, correspondem a pai, mãe e
filhos. Se existir para a criança alguém que faça função paterna e alguém que
se encarregue amorosamente dos cuidados maternais, a família estruturará edipicamente
o sujeito. É dentro dessa estrutura chamada família que a criança vai se
indagar sobre o desejo que a constituiu, o desejo do outro e vai se deparar com
o enigma de seu próprio desejo. O papel
da família na modernidade é formador, o sentido de preparar a criança para suas
responsabilidades em relação ás normas de convívio social. Os papéis dos
agentes familiares são substituíveis, por isso chamados de papéis. O que é
insubstituível é um olhar de adulto sobre a criança, a um só tempo amoroso e
responsável, desejante que essa criança seja feliz na medida do possível.
Por
fim, a família é considerada o núcleo básico de construção do eu. Como cita
Lévi-Strauss (apud Roudinesco, 1994): “A família, ao repousar sobre a união
mais ou menos duradoura e socialmente aprovada de um homem, de uma mulher e de
seus filhos, é um fenômeno universal presente em todos os tipos de sociedade’’.
REFERENCIAS:
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da
Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
CERVENY,
Ceneide Maria de Oliveira. Família em movimento. _São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2007.
GRONENGA e
PEREIRA. Direito de Família e
Psicanálise, rumo a uma nova epistemologia. RJ, Imago 2003.
ROUDINESCO, Elisabeth. A
família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. 2003.
Acabo de saber que a nomenclatura Pátrio Poder, foi substituída por Poder Familiar. Informações do ECA.
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